"Lula é um político brasileiro com defeitos e virtudes. Se você não
conseguir ver uma coisa ou outra é porque, certamente, a cegueira da
paixão ou do ódio está tomando o seu corpo como um câncer.
O que
se percebe no caso de Lula é que o ódio intenso tenta, sobremaneira,
vencer o amor intenso. É uma luta. A luta entre o amor e o ódio a esse
personagem da história
brasileira.
Outros já experimentaram do mesmo fel. Mas não sei se há concorrentes para Lula. Talvez nem Getúlio.
Quantitativamente,
Lula está em vantagem. Mas os odiadores acreditam que seu ódio seria de
melhor qualidade, uma espécie de crème de la crème do ódio - um ódio
insuperável por qualquer amor de multidões.
É um ódio cultivado
com gotas de ira diárias nas páginas dos jornais. E de revistas.
Cultivado com olhos de sangue, faca entre os dentes, espinhos nas
pontas dos dedos.
Só nos últimos meses, Lula já "esteve" por
trás do relatório do CPI da Cachoeira, teve caso com a mulher presa na
última operação da PF, já tentou adiar o julgamento, já produziu provas
para se vingar de Perillo (porque ele teria sido o primeiro a avisá-lo
do mensalão), já tentou subornar Deus para que terminasse a obra no
domingo.
A paixão amorosa conhecemos bem. Vem daqueles que se
identificaram com ele e com ele conseguiram ser lembrados pela primeira
vez na história da política brasileira: seja pelos programas sociais,
seja pela ascensão econômica, ou até simplesmente pelas características
pessoais, culturais e linguísticas. Vem também do louvor à camisa, ao
vermelho da camisa do PT.
Mas encontrar representantes do ódio
não é tão difícil também. E, como qualquer sentimento que desafie a
racionalidade, eles encontrarão justificativas em qualquer coisa.
Mesmo
que o ódio se disfarce de termos falsamente conceituais (lulo-petismo,
lulo-comunismo, lulo-qualquercoisismo), o ódio a Lula não é um
ódio-conceito. Não é abstrato. É material. Corpóreo. Figadal. Biliar.
Visceral.
Também não é ódio consequência. Não é um "ódio,
porque..." É um "ódio ódio", um ódio em si mesmo, um ódio singular
absoluto, que se disfarça de motivos: linguísticos, culturais, morais,
econômicos, etc, mas sempre ódio.
Lula já foi acusado de trair a
mulher, de violentar o companheiro de cela, de roubar o Brasil, de
pentecostalizar a África, de fortalecer "ditaduras" latino-americanas,
africanas, asiáticas, de se curar do câncer em hospital particular
(sim, uma acusação), de assassinar passageiros de avião, de dar o
título à Vila Isabel, de provocar a fuga do vilão no final da novela
das oito; já foi acusado de dançar festa junina, de beber vinho caro,
de torcer para o Corinthians, de comer buchada de bode, de ter amputado
o próprio dedo para receber pensão, de ter a voz rouca, de ser gente,
de estar vivo, de ter nascido...
Só um conselho para os
odiadores: o inverso do amor não é o ódio, mas a indiferença. No caso
em questão, o ódio só acentua e inflama a paixão daqueles que, em
maioria dos votos, acabarão levando vantagem.
Sejam indiferentes a Lula, e a história se encarregará de fazer o resto."
por Weden, no blog do Nassif
"O ÓDIO DE CLASSE CONTRA LULA
O ódio contra Lula é um ódio de
classe. As leituras que o entendem como um ódio simples, produto de
amores não correspondidos, ódio irracional ou, como colocam alguns
analistas, ódio-ódio deixam de considerar este ódio criticamente, no
contexto ideológico, político, social e histórico que o produz. No
contexto ideológico, o Lula é odiado porque não tem diploma de nível
superior, não fala inglês, nem francês, nem alemão, não é culto e
literato, é portador de uma linguagem simples e direta, que desdenha
dos discursos elaborados das elites pátrias que servem para mascarar os
problemas sociais, suas causas e seus responsáveis, e ludibriar o povo.
Lula não somente teve acesso ao topo do sistema com os recursos
intelectuais limitados a que teve acesso: ele também contribuiu para
destruir o falso requinte do discurso elitista social e político (e
porque não econômico também?) pátrio, inclusive muitos discursos
acadêmicos que sempre foram meros simulacros de racionalidade
civilizatória. Em outras palavras, em termos ideológicos Lula é um
discurso corrosivo e erosivo da ideologia dominante, uma ideologia
falsamente racional e civilizatória, usada para justificar uma
irracionalidade econômica, política e social e para consolar a
consciência de uma elite que, por meio de um autoengano, sempre tentou
posar de chique e civilizada. Em última instância, Lula é uma fratura,
um golpe na consciência da elite pátria e, somente nesta medida, um
problema psicanalítico para ela. Em termos políticos, o ódio contra
Lula é a expressão do sentimento que sempre dominou o imaginário da
elite nacional sobre o Estado e sua máquina: sua propriedade, seu bem,
seu patrimônio. Não é sem razão que uma das direções de ataque desta
elite é a de Lula como ladrão, o único grande ladrão que roubou coisas
que ninguém viu. Sim, o Lula roubou o Estado das mãos da elite
nacional, e está conseguindo dar seguimento a este roubo ao reeleger
seu sucessor e ao formar novas grandes lideranças políticas que darão
prosseguimento a esta façanha. O sentimento de ter sido roubado é
inerente a uma elite que sempre roubou o povo e o Estado, sem
manifestar qualquer peso de consciência por isso porque, afinal, era
sua propriedade, e propriedade privada não se rouba, explora-se. Em
termos sociais, o ódio contra Lula resulta da sua luta pela dignidade
dos mais simples, daqueles que sempre viveram a margem da dignidade, da
cidadania, daqueles que tiveram sua humanidade negada por séculos e
séculos de uma exploração colonial escravocrata e que permaneceram
sendo renegados como seres humanos no imaginário e na prática
econômica, política e social da elite nacional até os dias presentes.
Dignidade e humanidade é algo a que esta elite se acostumou como sendo
inerente e exclusivo de sua condição social. A sua diferença e o seu
valor próprio sempre foram compreendidos com base na negação de
dignidade e humanidade as camadas populares da sociedade. Claro, seria
difícil esta elite se olhar no espelho e enxergar no horizonte da sua
imagem o rosto de um negro, de um índio, de um mulato, de um pobre, ver
que estes seres que ela abomina, explora, maltrata, sodomiza, rejeita,
nega é também um ser humano que, essencialmente, é ela também, é como
ela, é seu igual em essência. Por tudo isso, o ódio contra Lula é um
ódio histórico, produto de forças ideológicas, políticas e sociais que
vieram a luz com toda a sua violência quando se sentiu incomodada em
seu trono; são forças habitam o imaginário profundo, construído ao
longo de séculos de uma dominação sangrenta e eficaz de uma elite que
sempre se viu privilegiada por achar que seus privilégios eram algo
natural e incontestável, por se amparar numa ideologia que a fazia se
sentir acima do bem e do mal e por se ver, neste momento, sendo forçada
a mudar aquilo que é."
por Válber Almeida, no blog do Nassif